quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Minha Flor


Agora falei com minha vó ao telefone. Estou com uma saudade dolorida e crônica dela, ouví-la me faz ter certeza dos valores das coisas, das relações. Me faz questionar o porquê de eu estar morando aqui, tão longe dela e da minha casa. Ela está visivelmente abalada com a quimioterapia, escrevendo poemas de despedida para cada neto. Chove e eu choro e faço planos e promessas para mim mesma de não deixar que ela se vá tão cedo. Penso em voltar, mas já é tarde, não tem mais como. Então releio a pilha de coisas que ela me escreveu que guardo numa pasta com cheirinho de caderno velho. E percebo a desimportância da linguagem, de como somos chatos e pedantes e críticos e mesquinhos. Ela é singela, clara. Uma dona de casa, que começa a escrever depois que perde o marido que era casada desde os 16 anos. Hoje ela tem 76, vive há cinco anos sozinha. E só escreve sobre o amor e de como a vida pode ser bela, uma espécie de auto-ajuda, se ela não se expusesse tanto. Uma visão otimista da vida, que me enche de amor. Aí vai uma palhinha:

"Minha querida,

Não repara as bobagens que a vó escreve, pelo menos você pode dar umas risadas. Fala aos seu amigos que a vó ainda é uma árvore, que já perdeu algumas folhas, mas a raiz ainda está viva”.

“Se eu pudesse deixar alguma coisa para você,

Eu deixaria a receita do verdadeiro amor e felicidade.

Deixaria a receita de como viver melhor a vida,

Deixaria para você a melhor maneira de amar com o coração e com a alma - amar as pessoas, amar a natureza, amar as pequenas coisas a sua volta.

Eu deixaria a receita de como você pode sentir sempre na sua vida, paz de espírito e nunca perder a esperança de dias melhores.

Eu também deixaria para você a mais linda história de amor, escrita pelo maior escritor do mundo, para que você pudesse viver essa história realmente.

Eu deixaria escrito para você, o quanto o meu amor é grande, que meu coração não comporta todo ele dentro do meu peito, por isso que reparto ele com as pessoas que você também ama.

Eu diria para você nunca esquecer tudo o que foi ensinado para você mundo afora.

Eu diria para você procurar dentro de você mesma a resposta de tudo que acontecesse na sua vida, porque é sempre o nosso coração e a nossa consciência o maior juiz do nosso caminho.”

As saudades da vó é tão grande como a distância que nos separa.

Receba esse texto com muito amor da vó que te ama muito e pensa em ti todos os dias,

Flor"

(Já deixou vozinha)

Deveriam guardar os velhinhos numa casa, onde iríamos sempre que nos sentíssemos clichês e sem verdade. Seríamos recepcionados pelo Saramago que nos encaminharia para o velhinho sábio que fosse especialista na nossa dor. E tomaríamos café com bolachinhas e bolinho de chuva na varanda cheia de gatos, lendo poemas, escritos como esse. Sem nada de chatices pseudointelectuais.

Um comentário:

Daniel Souza disse...

Mas que fofa sua vovó!!! Os meus e minhas já se foram, todos, sem exceção. Logo, desde pequeno tô acostumado a ver somente vó nos outros. E cá pra nós, tem algumas por aí que dão vontade de pegar no colo e nunca mais soltar. Creio que a sua seja uma delas. Amém, que ela já tenha vários pretendentes por perto. ;o)

Parabéns e muita paz e saúde pra vcs.
D. Souza